domingo, 13 de fevereiro de 2011

Por uma cultura de não violência

Ultimamente, a cidade de Amargosa tem vivido uma verdadeira intensificação da violência no espaço público. E, de repente, todos os moradores passam a desejar segurança pública. Claro, agora o cidadão amargoense pode perder o seu celular, a sua carteira ou, talvez, a sua vida ao andar pelas ruas mortas e escuras da cidade.

Dado o clima de hostilidade, a população que reclama pelo direito do cidadão andar livre pelas ruas, deseja apressadamente que se faça "justiça": o chamado "saneamento". A segura pública se efetivando na "polícia que mata". O Estado garante a vida de alguns tirando a de outros. Não seríamos todos iguais? Todos cidadãos? "Liberdade, Igualdade e Propriedade!".

Não compartilho da oposição estanque entre "Estado opressor", perpetrador da violência, e "comunidade vitimizada", quando falamos, por exemplo, da questão do tráfico de drogas - bastante presente na cidade. Mas, também não compartilho da ideia de que o Estado representa o bem e, portanto, deve exterminar o mal das favelas e comunidades periféricas.

Esta violência urbana que amedronta a todos de Amargosa, é uma violência estrutural. É do mesmo tipo daquela dos grandes centros urbanos. O seu cancro não está no caráter das pessoas das comunidades periféricas - falta Imaginação Sociológica e perspicácia a quem pensa o contrário. Estamos, todos, cegos. Tal violência é fruto, principalmente, da desigualdade social.

Em uma entrevista publicada no jornal Zero Hora, em novembro do ano passado, o ex-chefe da polícia civil do Rio de Janeiro, Hélio Luz, ao discorrer sobre o tráfico no Complexo do Alemão diz algo que nos é válido:

Qual foi o momento em que o Estado perdeu o controle da situação? O Estado nunca teve uma política de segurança a longo prazo. Nem de médio prazo. O Estado sempre operou com política de segurança de resultados. Há duas causas para o que nós estamos vendo. Uma, mais remota, e mais grave, que é a questão social. Outra, mais próxima, é restrita à área de segurança pública.

A impressão é que se trata de um grupo organizado. Quando ocorre esta ação espetacular, você pensa que o Estado venceu e que nós estamos derrotando um inimigo. Mas eles não são inimigos do Estado, eles são integrantes do Estado, mas foram marginalizados. O Estado criou estes caras. É produto direto do que nós fizemos. (...)

O Estado se desresponsabiliza socialmente. Nas comunidades pobres dificilmente você encontra educação escolar de qualidade, por exemplo. Sem falar da falta de assistência médica, dever constitucional do Estado, e da carência de um outro tipo de saneamento, o saneamento básico. Básico e fundamental para a dignidade material do ser humano.

Tomados pelo consumo, quando vamos ao comércio da cidade raramente conseguimos enxergar a violência  que ali se perpetua às Leis Trabalhistas. Ocasionalmente enxergamos a violência doméstica - o cidadão caminha nas ruas. Aplaudimos o progresso econômico, o salário que sai na data prevista, mas fazemos vistas grossas à concentração de renda.  

No mundo capitalista, ser cidadão se confunde com o poder de consumir. Todas as nossas relações são perpassadas pelo capital. A economia capitalista empobrece todas as dimensões das nossas vidas, transformando as relações humanas em mercadorias e massificando um ethos.

Não me surpreende que o egoísmo e a ganância sejam tão recorrentes em uma sociedade que tem sua base no acúmulo de riquezas. E não me surpreende o fato de tanta ganância redundar em violência - dos mais diversos tipos.

Estamos vivendo uma cultura de guerra, de violência. O que precisamos de imediato não é de mais mortes. O que precisamos de imediato é superarmos as nossas relações sociais pautadas em valores que não são humanos. Precisamos cultivar a solidariedade. E o desejo de uma mudança radical.