domingo, 12 de fevereiro de 2012

Degustar Charutos

Bom, embora minha aparência tímida e reservada não demonstre, eu sou uma pessoa curiosa - muito, devo acrescentar. Tenho relativa dificuldade em me aproximar das pessoas, mas, basta elas me revelarem algo de especial que passo a ansiar por conhecê-las. Assim também são com as coisas, de um modo geral. Já me falaram que sou inquieta. Já tive certeza da minha falta de concentração. Acontece que a variedade da existência e o desconhecido me fascinam. Não posso me conter. Queria até mais. "Mundo vasto mundo, mais vasto é o meu coração.". Porém, devo dizer que passo longe de um hedonista como o amigo de Dorian Gray, Lord Henry Wotton. Certo, escrevo isso para dizer o seguinte: quero experimentar o ritual do charuto.

Nunca fumei e não sinto a menor atração por cigarros e, inclusive, não acho uma boa pro nosso organismo. Mas, é um achismo e pode ser uma visão bem limitada do que nos faz bem/mal.

 
(cena do filme Les Amours Imaginaires)

A propósito, há estudos realmente interessantes sobre o consumo de cigarro, a influência das mídias e a produção de subjetividades e comportamentos. Lhes deixo com um texto da Danielle Carvalho e prometo, noutra ocasião, a tradução do artigo Our Emancipation, Up in Smoke que saiu na revista anarco-feminista The Rage e analisa a relação da emancipação feminina e o consumo de cigarro. Para quem procura uma análise mais técnica, existe, disponível na internet, uma considerável bibliografia sobre; recomendo uma busca em portais acadêmicos e científicos.


Retornemos ao meu recente desejo de experimentar charutos. Pois bem, sempre quando possível vou a Cachoeira, no Recôncavo Baiano. Considero uma cidade fascinante e ao mesmo tempo ordinária. Cidade histórica, nosso Patrimônio (é considerada Monumento Nacional pelo IPHAN), da resistência popular, da macumba, do bar do reggae e do samba de Dona Dalva. Olha, cidade da magia e também uma Paris bem tropical. Atravessando a famosa ponte Dom Pedro II, Cachoeira nos leva a São Félix, outra cidade que, recentemente, foi tombada - lá se encontra o castelinho de retiro do pessoal da Tropicália.

Em Cachoeira. Orla. Rio Paraguaçu.
Vista de São Félix.
Essas fotos foram tiradas por mim, o que justifica muita coisa no que se refere a qualidade delas. Mas, avante. Minhas poucas idas e vindas em Cachoeira e São Félix pedem mais idas e vindas por aquelas paragens. Há muito que não conheço por lá e há muito o que se viver por lá. Depois, penso ser impossível ir uma única vez, ou duas ou três. Há de se querer ir sempre. Bom, eu ainda não fui em tantos lugares de lá...  numa festa da Boa Morte... Assim como também não fui ao Centro Cultural Dannemann, a Fábrica de Charutos.

Penso que não é elegante (risos) você visitar uma Fábrica de Charutos e não degustar o produto da casa. Que desfeita! Recusar sentir o sabor de um charuto! Mas, isso envolve toda uma arte, todo um ritual e, como tal, de difícil acesso para possíveis iniciantes. O que não é coisa de outro mundo, desde quando tenhamos uma espécie de manual: http://www.charutos.com.br/artigos/art_charutos08.htm. Sim, isso é superestimar o "manual" e me superestimar, no final das contas.

Na medida em que eu lia o "manual", eu pensava no quanto o universo do charuto era um universo burguês e masculino. Várias imagens me surgiam, desde o patriarca da Colônia até os ambientes refinados de jazz. Claro que seu uso não se limita a esses ambientes, há imagens vulgares do charuto. Há imagens de cafés e porões sujos; de mafiosos, de boêmios, de intelectuais. De todo um universo cultural, literário e cinematográfico. Há também a imagem do agricultor e seu fumo de corda, imagem popular e tão mais presente no Nordeste. Mas, fumo de corda não é charuto, não é?

Passei a me questionar se o charuto correspondia ao universo masculino tão somente. Encontrei no mesmo site este texto: http://www.charutos.com.br/artigos/art_charutos13.htm. Não foi suficiente.

Historicamente, a produção de charutos no Brasil se relaciona com a escravidão. Era a mão-de-obra escrava feminina que produzia os charutos. Bom, dizem que a escravidão acabou em 1888, mas, nas  atuais "fábricas do fumo", são as mulheres que prosseguem com o trabalho.

Fábrica de Charutos em São Félix/BA.
Interessante é que o charuto nem sempre foi um produto da classe burguesa. Não, charuto não é naturalmente elegante. A expansão do capital e a crescente industrialização que o fez burgues. 

Muito antes de dar seus primeiros passos e ser empresarialmente organizada, a atividade existia em centenas de casas humildes, sob a forma de fabrico doméstico, como natural extensão do trabalho nos campos de plantação e dos armazéns de beneficiamento do tabaco.
É provável que tal atividade deve ter se constituído no embrião, do qual se valeram os empreendedores estrangeiros, em especial alemães, para montarem seus negócios, associando, enqunto foi possível, a mão-de-obra-escrava. (Livro dos Charutos)

Achei um texto bem simples, mas bastante informativo, sobre a relação escravidão-mulheres-charutos na Bahia: confira neste blog aqui. E vou continuar a pesquisa, de maneira mais acurada. A associação burguesia e universo masculino com o charuto não é, no mínimo, curiosa? Espantosa, para lançar mão de uma disposição filosófica.

Enfim, qual será o gosto de um charuto?

~~*~~

Gostaria deste adendo:

Em Cuba.

Um comentário:

  1. bom vídeo pra enriquecer o debate: http://www.youtube.com/watch?v=1XrW9iY_zfc

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